Ómega-3 - prescrição e restrição

  

Aqui se reproduz a publicação do Dr. Henrique Freire, nutricionista

O consumo de ácidos gordos (ômega-6 e ômega-3) com 20 ou mais carbonos na sua cadeia central, nomeadamente os ácidos araquidônico (ARA 20:4 w-6), eicosapentaenoico (EPA 20:5 w-3), docosapentaenoico (DPA 22:5 w-3) e docosahexaenoico (DHA 22:6 w-3) estão associados à prevenção e tratamento de diversas patologias em virtude dos metabólitos produzidos a partir destes. Prostaglandinas, leucotrienos e tromboxanos, e em especial, as resolvinas, protectinas e maresinas, tem sido associada à modulação da resposta imune e a resolução da inflamação.

A correta proporção entre os ácidos gordos (ômega-6 e ômega-3) garante ao corpo responder fisiologicamente a situações onde há a necessidade de uma inflamação aguda (por exemplo traumas, infeções, cirurgias), bem como, resolver e controlar a inflamação para que não se torne crónica, visto que a sua atividade a longo prazo está diretamente associada ao surgimento e agravamento das doenças crónico-degenerativas.

Uma vez que o consumo de alimentos ricos em ômega-6 nos países ocidentais é demasiadamente alto, e a ingestão de peixes e frutos do mar fontes de ômega-3, especialmente no Brasil, é baixa (Scherr C et al, 2015), a suplementação com fontes de ácidos gordos ômega-3 (EPA, DPA e DHA) poderia ajudar a manter o equilíbrio, o que resultaria por exemplo, numa diminuição de pacientes depressivos (Natacci L et al, 2018) e a vantagem seria a cardioproteção.

Figura 1 - Possíveis mecanismos que explicam os efeitos cardioprotetores dos AGPIs ômega-3 e seus metabólitos. Linhas tracejadas representam mecanismos potenciais. PG: prostaglandinas; LT: leucotrienos; COX: ciclooxigenase, LOX: lipoxigenase; GPCR: receptores acoplados à proteína G.
Fonte: Desnoyers M et al (2018)

Segundo Miller E et al (2013), a suplementação de 8g de DPA isoladamente melhora as concentrações de EPA, DPA e DHA nas membranas fosfolipídicas, demonstrando alta biodisponibilidade (excelente absorção intestinal) e alta capacidade de bioconversão nos outros ácidos gordos formadores de metabólitos reguladores da inflamação. A suplementação de DPA não precisa de ser feita de forma isolada, conforme demonstrado recentemente por Skulas-Ray AC et al (2015). Os autores comprovaram que, em humanos adultos, quanto maior a suplementação de óleo de peixe (300mg a 1800mg/dia), por 8 semanas, maior a concentração de DPA nas membranas dos eritrócitos, e menores são os níveis de triglicerídeos e proteína C-reativa (PCR).

Portanto, a presença deste ácido graxo (DPA) no óleo de peixe, parece aumentar os benefícios já atribuídos ao EPA e DHA.

Uma meta-análise recente (O'Mahoney LL et al, 2018) que incluiu 2674 pessoas diabéticas tipo 2 concluiu que suplemento de ácidos graxos ômega-3 está associada a redução dos níveis séricos de LDL, VLDL, triglicerídeos e da hemoglobina glicada, além da menor concentração de citocinas inflamatórias como TNF-alfa e IL-6.

De forma semelhante, em agosto de 2018 foi publicada uma meta-análise que indica vantagem em suplemento de ácidos gordos ômega-3 no tratamento da esteatose hepática não alcoólica, em crianças e adultos. Uma observação importante dos autores, é a conclusão de que pacientes com a doença do fígado gorduroso apresentam grande deficiência de DHA. (Musa-Veloso K, et al, 2018)

Aliás, quando o assunto é criança, estudos tem procurado estabelecer possíveis benefícios metabólicos de um suplemento de ômega-3.  See VHL et Elas (2018) observaram que crianças que receberam suplemento de ômega-3 desde o nascimento até os 6 meses de vida, sendo 280 mg DHA and 110 mg EPA diariamente, comparadas às que receberam azeite de oliva, apresentaram menor circunferência abdominal, níveis mais baixos de insulina e menos resistência à insulina aos 5 anos de idade.

Suplemento de ômega-3 pode ter aplicação no desporto, como demonstra Black KE et al (2018), que adicionaram ômega-3 a partir do óleo de peixe (sendo 551 mg de EPA e 551 mg de DHA duas vezes ao dia),  a uma suplementação proteica para jogadores de Rugby, e observaram após 5 semanas, maior explosão muscular, menor fadiga e menos dor muscular nos atletas.

Um aspeto muito importante a ser considerado nos benefícios de suplementos de ômega-3, é o quanto se ingere de ômega-6 na dieta. Apesar de todos os benefícios recentes comprovados pela ingestão de ômega-3, em estudo feito com mais de 420mil pessoas, que resultou na prevenção de 15% e 18% de morte por doença cardiovascular respetivamente em homens e mulheres (Zhang Y et al 2018), há estudo que questiona esta suplementação e os seus benefícios apenas para prevenção primária e secundária de doença cardíaca (Abdelhamid AS et al 2018).

Entretanto, conforme deixaram claro Desnoyers M et al (2018), estas diferenças nos resultados de estudos aparecem porque algumas metodologias não avaliam o consumo de ômega-6 proveniente dos óleos vegetais nas dietas dos pacientes estudados, que pode apresentar-se muito elevada.

Conclui-se, portanto, que a recomendação feita por médicos e nutricionistas é de que a suplementação de ômega-3 deva vir associada à redução no consumo de óleos notadamente ricos em ácido linoleico (ômega-6), como óleo de soja, milho e girassol, comuns nas dietas das populações ocidentais.

Nos estudos onde a proporção entre ômega-6 e ômega-3 é respeitada até 1:1 ou até mais ômega-3 que ômega-6 (figura 2), as respostas clínicas são sempre satisfatórias com suplemento de ômega-3, com menor área de infarto e cardioproteção, controle das dislipidemias e da hiperglicemia, redução de marcadores inflamatórios, e aplicação em áreas, tais como o desporto.

 

  

Figura 2. Tamanho do infarto expresso como % da área de risco (AR) na presença de diferentes dietas com as diferentes razões ômega-3/6. * p <0,05 (ANOVA seguido do teste post-hoc de Bonferroni).

 

Referências:

Abdelhamid AS, Brown TJ, Brainard JS et al. Omega-3 fatty acids for the primary and secondary prevention of cardiovascular disease. Cochrane Database Syst Rev. 2018 Jul 18;7:CD003177.

Black KE, Witard OC, Baker D, et al. Adding omega-3 fatty acids to a protein-based supplement during pre-season training results in reduced muscle soreness and the better maintenance of explosive power in professional Rugby Union players. Eur J Sport Sci. 2018 Jul 9:1-11.

Desnoyers M, Gilbert K, Rousseau G Cardioprotective Effects of Omega-3 Polyunsaturated Fatty Acids: Dichotomy between Experimental and Clinical Studies. Mar Drugs. 2018 Jul 10;16(7). 

Miller E, Kaur G, Larsen A, et al A short-term n-3 DPA supplementation study in humans. Eur J Nutr. 2013 Apr;52(3):895-904.

Musa-Veloso K, Venditti C, Lee HY, et al. Systematic review and meta-analysis of controlled intervention studies on the effectiveness of long-chain omega-3 fatty acids in patients with nonalcoholic fatty liver disease. Nutr Rev. 2018 Aug 1;76(8):581-602.

Natacci L, M Marchioni D, C Goulart A, et al. Omega 3 Consumption and Anxiety Disorders: A Cross-Sectional Analysis of the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Nutrients. 2018 May 24;10(6).

O'Mahoney LL, Matu J, Price OJ, et al. Omega-3 polyunsaturated fatty acids favourably modulate cardiometabolic biomarkers in type 2 diabetes: a meta-analysis and meta-regression of randomized controlled trials. Cardiovasc Diabetol. 2018 Jul 7;17(1):98

Scherr C, Gagliardi AC, Miname MH, Santos RD. Fatty acid and cholesterol concentrations in usually consumed fish in Brazil. Arq Bras Cardiol. 2015 Feb;104(2):152-8

See VHL, Mori TA, Prescott SL, et al. Cardiometabolic Risk Factors at 5 Years After Omega-3 Fatty Acid Supplementation in Infancy. Pediatrics. 2018 Jul;142(1)

Skulas-Ray AC, Flock MR, Richter CK, et al. Red Blood Cell Docosapentaenoic Acid (DPA n-3) is Inversely Associated with Triglycerides and C-reactive Protein (CRP) in Healthy Adults and Dose-Dependently Increases Following n-3 Fatty Acid Supplementation. Nutrients. 2015 Aug 4;7(8):6390-404.                            

Zhang Y1, Zhuang P1, He W2, et al. Association of fish and long-chain omega-3 fatty acids intakes with total and cause-specific mortality: prospective analysis of 421 309 individuals. J Intern Med. 2018 Jul 17. [Epub ahead of print]