DARKFILD [Microscopia Campo Escuro]

Quando se contata o Pleomorfismo de Enderlein, fica uma sensação de profundo incómodo, e até mesmo de incredulidade para o médico. Essa mesma sensação levou um destacado professor de medicina da Universidade de Heidelberg a afirmar:

Se Enderlein estiver certo, teremos que deitar fora todas as teorias médicas e tomar o caminho que ele nos apontou“.

A radicalidade dessa afirmação é absolutamente procedente, pois ele está, na verdade, mencionando o campo do pleomorfismo a partir da visão monomórfica, que é o pilar fundamental sobre o qual foram construídas as teorias da medicina ocidental contemporânea. É urgente fazer-se uma breve retrospetiva do processo de construção das teorias da medicina atual, para se compreender a influência do monomorfismo e se poder compreender e aceitar a teoria do pleomorfismo.

A medicina ocidental contemporânea nasceu no século XVIII com a afirmação da teoria anátomo-clinica, que permitiu a constituição da Clínica ou da Medicina Interna.

Essa teoria médica afirma: “A doença é consequência do aparecimento de uma lesão na profundidade do organismo (espaço interno, medicina interna). Portanto, não há doença sem sede e não há doença sem lesão”. A lesão é ao mesmo tempo a sede e a causa da doença.

Essa teoria foi originária do pensamento mecanicista na medicina. Mas, possuía uma grave limitação em termos de doutrina médica – não oferecia de imediato nenhuma nova terapêutica.

Simplesmente, demolia toda a nosologia médica precedente, era chegado o tempo de uma nova teorização e de uma nova nosologia. Esse período ficou conhecido como fase do ceticismo médico.

No entanto, como todo o novo conhecimento, a teoria anátomo-clinica abriu as portas para novas perspetivas, e na base desse paradigma surgiu a teoria do germe ou etiopatogénica e a teoria celular.

Há muito que já se sabia da existência de “corpúsculos microscópicos” nas secreções de indivíduos doentes, mas esses fatos não faziam sentido para a medicina vitalista/humoralista da época.

Foi o pensamento organicista/localista, centrado na lesão, da medicina anátomo-clinica que pavimentou o caminho que levou o germe para o centro do processo causal das doenças.

O químico Pasteur com o conhecimento que adquiriu dos seus estudos sobre a deterioração de vinhos e alimentos, retomou a tese microbiológica e deu continuidade aos estudos dos soros e vacinas. A experiência de Pasteur com a soroterapia, a vacinação e, em especial, suas conclusões sobre os estudos da fermentação microbiológica da solução de paratartarato de cálcio, deu-lhe a convicção da especificidade do germe. Pasteur demonstrou que um determinado microrganismo (fungo) é capaz de reconhecer a diferença de dissimetria molecular (levogira/dextrogira) em soluções quimicamente idênticas, mas dissimétricas (o fungo fermenta apenas o isômero dextrogiro). O germe seria tão específico que é capaz de identificar até mesmo um isómero ótico. Assim, Pasteur unificou na mesma unidade teórica, o germe, a fermentação e a doença.

A tese da especificidade é a alma do monomorfismo. No plano da bacteriologia, afirma que os micróbios podem ser classificados em espécies e géneros fixos e imutáveis. Transportou isto para a etiopatogenia e sustentou que um germe transporta consigo o potencial patogénico específico. Uma vez em contacto com o hospedeiro, e obtendo condições favoráveis, irá produzir uma doença também específica.

A influência desta teoria médica tem sido profunda para a medicina académica, que ultrapassou os limites das doenças causados por germes e estendeu-se a toda a nosologia e ao pensamento médico.

As doenças sem a participação do agente microbiano passaram também a responder à mesma lógica das enfermidades infeciosas. Ou seja, o pensamento ontológico microbiano construiu a noção de doença como entidade específica. Fala-se da doença como algo que existe e possui uma vida antinatural. A doença tornou-se um ente, uma entidade, e o exercício médico orientou-se para a decodificação da linguagem da doença.

A tese da especificidade recebeu o suporte decisivo com os trabalhos de Ehrlich na Alemanha. Esse autor, um estudioso da histoquímica, passou a estudar a afinidade dos microrganismos pelos corantes, e construiu uma tese de forte parentesco com a tese da especificidade: “O microrganismo além de ser específico em termos de ação possui afinidade por certas substâncias (corantes), que também o individualiza”.

A tese da afinidade encontrou o seu veredito não apenas no campo das teorias sobre a doença humana, mas no campo da terapêutica. Se o microrganismo tem afinidade por um determinado corante, quem sabe podemos ter um corante que além de colorir o germe, possa também inibir o seu crescimento e ou matá-lo. Nasce, assim, as bases da terapia química moderna. Não é por acaso que o primeiro antimicrobiano eficaz descoberto foi o prontosil vermelho, o precursor das sulfas.

Ehrlich e Koch defenderam a conceção do monomorfismo. Ambos eram hostis aos conceitos de adaptação, evolução e predisposição. Inicialmente, aceitaram que os sintomas eram causados pela presença física da bactéria, mas posteriormente admitiram o papel das toxinas, tão salientado por Pasteur.

O modelo químico das toxinas acabou sendo a base explicativa para a ação do microrganismo. Ou seja, o estudo do microorganismo passou a ser exclusivamente centrado na sua ação química (toxinas), e não na relação entre seres vivos. Na verdade, tanto a ação bacteriana como a ação medicamentosa passaram a ter o mesmo mecanismo explicativo – a teoria dos recetores.

Essa breve síntese do conhecimento médico contemporâneo deixa claro não só a profunda influência do monomorfismo na construção das teorias e do próprio objeto da medicina (a doença), mas também sua influência marcante no desenvolvimento da quimioterapia. A terapêutica química na medicina é filha direta do monomorfismo. Embora o monomorfismo esteja ligado à teoria do germe, no plano do saber médico essa tese se expande para além desses limites, e constrói ideias/conceções como a de monocausalidade, de relação causa-efeito, de mecanismos de doença, de organismo como um sistema linear e fechado, etc. Pouco ou nada se fala da complexidade do organismo vivo e da sua força curativa (natureza medicatrix).

O pensamento crítico na medicina e as várias tendências que buscam superar o mecanicismo reducionista e simplificador da medicina académica, devem ter a perceção de que a crítica ao monomorfismo é condição indispensável para a plena realização dessa tarefa. Não adianta apenas, no caso da medicina, produzir críticas contundentes. É necessário colocar algo no lugar, que tenha a dimensão de uma doutrina médica. Ou seja, que ofereça uma versão de doença, como diagnosticá-la, como preveni-la e como a tratar.

Sem dúvida, a teoria Pleomórfica oferece esses atributos. É impressionante notar como um debate tão presente na bacteriologia na primeira metade do Século XX, foi simplesmente esquecido. O mais impressionante ainda é notar que os próprios pesquisadores que atualmente vêm desenvolvendo pesquisas no campo pleomórfico, têm tendência a ignorar o enorme legado do pleomorfismo desde Bechamps, passando obrigatoriamente por Enderlein. Não citar Enderlein quando se fala de Pleomorfismo, seria como não citar Einstein quando se fala da física da relatividade.

Bechamps é considerado o pai do Pleomorfismo. Foi contemporâneo de Pasteur e exerceu forte crítica ao pensamento pasteuriano. Foi o primeiro cientista a admitir e a descrever a Ciclogenia Bacteriana.

Identificou minúsculas partículas (granulações moleculares) que chamou de “microenzimas”, nas células vegetais e animais, que não só não desapareciam como ainda se mantinham vivas mesmo após a morte da planta ou do animal. Dizia ele que essas partículas eram a fonte da fermentação, e que os microrganismos poderiam ser oriundos dessas partículas. No entanto, as descobertas de Bechamps foram ofuscadas pelo impacto das descobertas de Pasteur.

Na Alemanha Gunther Enderlein (1872-1968) retomou os trabalhos de Bechamps, e deu início à construção de uma obra monumental. Escreveu mais de 500 artigos científicos e tornou-se curador do Museu Zoológico de Berlin. O ponto alto de sua obra foi o livro “Ciclogenia Bacteriana“, com primeira edição em 1916. Neste ano, Enderlein ao estudar o tifo observou através da microscopia de campo escuro, minúsculos organismos móveis no sangue de pessoas acometidas por essa enfermidade. Esses minúsculos organismos copulavam e fundiam-se com formas mais organizadas de bactérias, e o produto dessa copulação desaparecia instantaneamente. Enderlein observou ao microscópio de campo escuro umas pequeníssimas formas ativas que entravam em união com formas bacterioformes organizadas.

O Produto da “copulação entre essas formas” tornava-se rapidamente invisível. Ele estabeleceu a existência destes processos “sexuais”, não a partir de formas embrionárias mais evoluídas, mas de formas inferiores, invisíveis ao normal microscópico ótico de lua direta.

Estes elementos muito ativos, eram providos de flagelo. Ele apelidou-os de SPERMITS. Além disso, ele já tinha comprovado que no sangue dos mamíferos se encontrava sempre um microorganismo simbiótico de origem vegetal.

A partir daqui, escolheu como sua ferramenta principal – a microscopia de campo escuro.

Todos os micróbios, incluindo os que habitam o nosso organismo, estão sujeitos a um tipo sequencial de fases, estádios, ou ritmo de desenvolvimento: “Colóide” – fase primitiva; “Bactéria” – fase intermédia; “Fungo” – fase culminante.

No que concerne ao meio ambiente, relativamente às fases ou estádios de desenvolvimento:

  • PH – Alcalino = Fases Primitivas
  • PH – ligeiramente Alcalino = Fases Bacteriformes
  • PH – Ácido = Fases Fúngicas

As 5 teses de Enderlein:

  1. O sangue não é estéril. Está presente no sangue e nas células dos animais de sangue quente, uma formidável quantidade de simbiontes (Endobiontes), que permitiram a evolução e o alto rendimento da célula animal e de toda a complexidade orgânica. Esse equilíbrio simbionte é alterado por mudanças no terreno biológico, levando a um desenvolvimento qualitativo (ganho de valência) e quantitativo dos Endobiontes, e consequente sobrecarga do organismo;
  2. Não é a célula e sim o colóide a menor partícula viva. O colóide já contém em si uma dinâmica vital. Ou seja, é uma organização de matéria viva.
  3. Reprodução sexuada dos micróbios. Enderlein identificou em todos os microrganismos estudados a reprodução assexuada (divisão celular – Auxanogenia) e a reprodução sexuada (Probaenogenia). Nessa última, haveria copulação sexual e fusão nuclear entre os vários estágios de um ciclo de evolução de um microrganismo, desde a fase coloidal, fase patogénica e fase de culminância.
  4. Pleomorfismo dos microrganismos. Essa teoria sustenta que sob condições precisamente definidas, um determinado microrganismo pode manifestar as várias formas de seu estágio de desenvolvimento. Desde a forma coloidal até estágios de alto desenvolvimento como bactérias e fungos.
  5. A doença do ser humano está direta ou indiretamente relacionado aos distúrbios
    dos Endobiontes
    .

O Pleomorfismo não aceita o conceito clássico de virulência do microrganismo do Monomorfismo. Para o primeiro, virulência está ligada ao estágio evolutivo (cicloestágio), chamado de estágio virulento, e o conceito de patogenicidade vai além da questão da virulência, como é o caso da sobrecarga Endobiôntica. A virulência pode ocorrer em qualquer fase do ciclo. Não é preciso que esteja na fase de culminância. A cura ou a remissão de um processo clínico, na maioria das vezes não se dá pelo desaparecimento do microrganismo, e sim pela dinâmica para uma fase evolutiva não patogénica. Essa questão foi exaustivamente demonstrada por Enderlein no estudo do bacilo diftérico.

Enfim, o Pleomorfismo muda por completo as teses e as teorias da medicina atual. Substitui o modelo mecanicocausal do monomorfismo pelo processo complexo da simbiose e a interação entre seres vivos, e desses com seus meios ambientes. Aqui, não cabe a intervenção de supressão ou a eliminação armada através das substâncias químicas. Fica a forte noção de que a medicina deve seguir os passos da biologia enquanto uma ciência dos processos vitais, que a tradição alemã tem chamado de medicina biológica. A superação do modelo terapêutico da medicina atual, que o brilhante médico alemão Hans Nieper rotulou de terapia toxicomolecular, passa obrigatoriamente pela superação do Monomorfismo. O prof Enderlein e o vasto campo da medicina biológica já nos mostraram o caminho: Pleomorfismo e as terapias biológicas.

 Dito isto: chegou a era do “novo paradigma do séc. XXI que é: Medicina Integrativa”.

Fonte: Eduardo Almeida, MD, PhD
Tradução e correção: Dr. Jorge Fonseca MD (AM), Msc. DIHom, Pract.